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Casamata, por Ana Paula Nascimento - 2014

As pesquisas que Laerte Ramos (São Paulo, SP, 1978) vem desenvolvendo desde meados da década de 2000 têm como um dos principais eixos a realização de esculturas e instalações que se relacionam com a arquitetura e o design, problematizam noções de funcionalidade e brincam com determinados nomes e conceitos, em um contínuo exame e reflexão sobre materiais e processos artísticos. Muitos dos temas por ele explorados estiveram presentes no seu aprendizado lúdico-infantil: são soldados, tanques de guerra, paisagens com fortes, exércitos, canhões, grandes embarcações e lutas. Todavia, como aparecem miniaturizados, tais objetos não causam nenhum pavor ou sensação de desconforto. Tudo isso materializado na cerâmica, matéria frágil e quebradiça, em técnica pouco explorada no Brasil pelos artistas contemporâneos. E feito com muito bom humor, certa irreverência e diversão, em um cadeia de concepção que vai do projeto da instalação, elaboração das peças, realização de vídeo, até a exposição e oficina artística. O significado de casamata é o de uma construção baixa muito resistente, um abrigo normalmente abobadado e fortificado, às vezes blindado ou feito de concreto, aço ou de simples sacos de areia, podendo ser parcialmente subterrâneo e que tem como finalidades instalar armas, estocar munição ou alojar pessoas. O sentido da palavra é controverso, mas remete a uma ‘falsa casa’ ou ‘algo que se parece com uma casa’. Na instalação Casamata, Laerte faz um paralelo dessas pequenas construções com as habitações que os pássaros popularmente conhecidos como João-de-barro (espécie Furnarius) constroem: ninhos em formas arredondadas de barro. O artista cria uma série de modelos de casas a partir da junção de formas geométricas simples como esferas e cubos: algumas possuem lajes planas, outras com telhados de duas águas e há ainda os globos. Tais formas se multiplicam, encaixam-se, combinam-se, com repetições e agrupamentos, rasgos, empilhamentos, cortes e cisões. Sustentadas por cabos de aço, praticamente soltas e visíveis de todos os ângulos, muitas trazem em seus vão ou em superfícies maiores areia e plantas artificiais. Uma tentativa de trazer um simulacro do natural para um ambiente tão controlado como o museu? A presença de mais de 100 Casamatas no Octógono – o saguão central em formato de torre que articula todos os espaços da Pinacoteca – possibilita que as delicadas esculturas/ maquetes com uma temática até certo ponto bélica interajam com o espaço banhado de luz, no qual as paredes ainda exibem a alvenaria de tijolos de barro que explicitam a estrutura do edifício – historicamente inacabado – e cujo piso, de mármore branco, cor também também aplicada em todas as Casamatas, possibilita ampliar o jogo de cheios e vazios, o peso da matéria e a leveza do suporte. Nos dois pátios que, como o Octógono, têm as coberturas envidraçadas, foram instalados os Columbiformes – nome científico de uma ordem de aves que inclui várias espécies de pombos, rolas e pássaros afins. No caso, tratam-se de pombos em bronze patinado de branco em dois tamanhos diferentes espalhados pelos dois recintos. Estas aves, quando não atuam como pombos-correio, costumam ter a entrada proibida em ambientes fechados. Os de Laerte possuem no dorso pequenos feixes metálicos – como os colocados para que eles não pousem – em formato de um corte de cabelo moicano – como se não se dobrassem a determinadas ordens ou conceitos pré-estabelecidos. Contudo, pacificamente, acomodam-se em diversos pontos, chamando novamente a atenção para os vestígios de uma construção nunca finalizada. Como em outros trabalhos do artista, esta instalação - especialmente desenvolvida para o Projeto Octógono Arte Contemporânea - alia a recuperação de técnicas tradicionais sob o prisma de um olhar atual e aguçado recorrente na arte contemporânea, trazendo referências da arquitetura pela escolha do objeto ou quando problematiza a percepção do espaço e seus materiais constituintes: os fixos, como o barro, o branco do mármore ou da cerâmica, e os efeitos atmosféricos que se transformam a cada instante, como a luz que a tudo envolve.

ENGLISH

 

Casamata [bunker] refers to a usually domed and fortified low building, an oftentimes shielded shelter, which can be partially underground and which has, among its purposes, those of deploying weapons, stocking ammunition, or accommodating people. In the installation Casamata, the artist Laerte Ramos (São Paulo, SP, 1978) draws a parallel between these small buildings and the small houses built by the birds popularly known as joão-de-barro (Furnarius rufus): nests in rounded shapes made of clay. The artist creates a number of different models based on the junction of plain geometric shapes, such as spheres and cubes. These shapes multiply, fit together, and combine in repetitions and groupings. Supported by steel cables, virtually loose and visible from all angles, many bring sand and artificial plants in their gaps or in larger surfaces. The presence of over one hundred Casamatas in the Octógono—the central hall in the shape of a tower that joins together all spaces at Pinacoteca—makes it possible for the delicate sculptures/models to interact with the light-covered space, in which the walls still show the clay brickwork, which deems the—historically unfinished—building structure explicit and whose floor, in white marble, a color which is also used in all Casamatas, helps to enhance the play on full and empty spaces, the weight of the matter and the lightness of the support. On the yards on both sides of the Octógono, Columbiformes were installed—Columbiformes being the scientific name of an order of birds which includes several species of pigeons and doves. In this case, these are pigeons in green-patinated bronze in two different sizes. These birds, when they are not being used as carrier pigeons, have their entry banned in closed spaces. Ramos’, in their turn, have small metal beams on their back—such as those placed in order to prevent them from landing. However, peacefully, they accommodate themselves up at various points, drawing attention to the remains of a never-completed building. As in other works by the artist, this installation especially developed for the Projeto Octógono Arte Contemporânea (Octagon Contemporary Art Project) brings the recovery of traditional techniques under the perspective of a sharp and current gaze recurrent in contemporary art, featuring references from the architecture not only through the choice of the subject but also by problematizing the perception of space and its constituent materials: the fixed ones, such as clay, the white marble, or pottery, and the ever-changing atmospheric effects, such as the light which surrounds everything.

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