P – Me conte do projeto 50%off e o porque do nome?
R - A exposição 50%off para mim é um grande desafio pessoal como artista. Demorei cerca de dois anos para produzir este trabalho que consiste em um grande painel contendo 300 pés direitos de tênis formando um bloco que lembra uma vitrine de lojas de calçados. As esculturas são feitas em cerâmica uma a uma e depois pintadas a mão. O nome do projeto se chama 50%off por dois motivos. O primeiro porque não apresento o par, apenas apresento os pés direitos dos tenis, fazendo parecer com que as esculturas tenham a mesma apresentação que as lojas de calçados. E como é de costume, as lojas fazem promoções e liquidações de 20, 30, 40, 50, 60, e até 70% ou mais. Escolhi a porcentagem de 50% porque faltam os pés esquerdos, então o trabalho é inteiro, mas sempre vai faltar metade, por isto, não tem como não se chamar 50%off. Vale a pena lembrar que as lojas se "protegem" disponibilizando nas vitrines apenas um pé do par, evitando furtos, por isto eles são apresentados geralmente desta maneira. Estou também produzindo o outro painel com as "esculturas esquerdas".
P - Por que a escolha destes modelos especificos de tênis, e não outros modelos como de corrida ou social?
R - Bom, quando comecei o projeto, ele era basicamente um auto retrato, então, as esculturas iriam refletir exatamente o que eu usava e isto incluia o meu gosto pessoal. Não uso tênis de corrida nem social ou os tais sapatênis, então ficou "acertado" que seriam tenis de uma linha "casual", como é estipulado pelas marcas. Como não possuo (ou não possuia até então) uma grande variedade de modelos de tênis, comecei a pegar emprestado com amigos, com meu irmão, até chegar a alguns números que pudessem preencher o espaço do grande painel. Foi então que eu percebi que não eram mais retratos meus, e sim de mais pessoas ao meu entorno, e o mais interessante para mim: pude ver nas marcas, nas dobras e nos desgastes de cada tênis os passos de cada doador para o projeto. Com a sola desgastada e os vincos determinados, estes detalhes foram me contando ao pouco sobre cada doador do projeto. Quem anda de moto tem a sola do pé esquerdo mais desgastada, assim como outros pequenos detalhes foram surgindo em minhas mãos ao trabalhar e desenvolver esta pesquisa. Então eu fui produzindo este trabalho e entendendo o que ele seria. Cheguei a apresentar eles em exposições com outros trabalhos como da série da "Arma Branca", da "Temporada de Caça", e da "re.van.che", mas de uma maneira mais silenciosa para eu entender o que eu estava aprendendo com este trabalho. Afinal, ele tinha que me ensinar alguma coisa, senão, eu não daria continuidade a ele. Foi então que eu percebi que deveria fazer o grande painel com trezentas esculturas. Entendi também que se eu fizesse e terminasse de fazer uma escultura a cada dois dias eu teria aproximadamente dois anos para terminar a obra como um todo e comprei este desafio. Fiz planilhas, documentos com números de referência de cada escultura, de cada cor usada, e fui preenchendo o papel até a ultima página. Demorou muito.
P - Quantas marcas tem ao todo e qual a sua relação com a Moda?
R - Ao todo são dezessete marcas, nacionais e de fora também, sendo que algumas delas já não existem mais, assim como alguns modelos das marcas já estão fora de linha. As marcas são: Kichute, Öus, Vert, Bamba, Rainha, Topper, Pony, Converse, All star, Vans, Tiger, Adidas, Puma, Kustom, Superga, New Balance e Nike. Consegui apoio de duas marcas que doaram tênis para o projeto. A primeira foi a Öus que fica em Curitiba e tem uma qualidade de material excelente e um design extremamente criativo, e a segunda a marca Vert que é francesa (na França se chama Veja) que tem usado na confecção de seus tênis materiais sustentáveis respeitando os direitos dos trabalhadores no Vale dos Sinos. Minha pesquisa sempre encosta em outras áreas como o design, a arquitetura, o esporte, a moda, e neste caso fica muito nítida a relação com a moda. Por muitos anos desenvolvi camisetas e tive sociedades com marcas de roupas aprendendo sobre moda e desenvolvimento dos produtos ligados a este meio. As vezes este conhecimento adquirido com esta experiência pessoal e profissional surgem de uma maneira mais clara, como no caso do trabalho " Do pó ao pó" que desenvolvo uniformes para performances, e neste caso mais ainda pois o trabalho lida diretamente com modelos e marcas que fazem parte da moda ou da historia da moda em alguns casos como o do "Kichute" e da marca "Bamba" aqui no brasil.
P - As cores são todas semelhantes aos originais?
R - Não, tive liberdade em usar cores diversas, alias, até cores pouco exploradas pelas próprias marcas. Para mim, dentro de minha pesquisa, este trabalho foi muito importante de ser explorado pois como a minha produção veio da gravura (xilogravura), a cor na minha pesquisa foi prevalecendo sempre com o preto e o branco, e depois surgiu o cinza, o vermelho, mas sempre de uma maneira mais tímida. O painel da exposição 50%off tem uma variedade incrível de cores e eu aprendi a lidar com elas, a conviver e entender o papel delas em minha pesquisa.
P - Por que a escolha desse número: 300?
R - Como citei anteriormente é um desafio. Meu trabalho nos últimos anos tem sido me desafiar usando a cerâmica como material de aprendizado. Os trabalhos "Lastlândia" tem 108 esculturas, a "Arma Branca" são dois painéis contendo 100 modelos diferentes cada, já o "Sobre Rodas" são 1.127 xilogravuras/matrizes, e assim vou me desafiando com estes grandes trabalhos, projetos e pesquisas. O número 300 define uma parede que varia dependendo da altura entre 10 a 15 metros de extensão, e isto, me interessa. Quando faço um projeto e um trabalho eu tenho que aprender com ele e o tempo de relação dele comigo é essencial. É preciso entender o material e ter o conhecimento do tempo de relação com ele para o trabalho ficar pronto. Como geralmente uso a argila e a cerâmica para trabalhar, o tempo é lento devido aos procedimentos usados na produção das obras. Neste caso foram dois anos com este projeto, que em paralelo tive a produção da obra "Casamata" que finalizei também este ano e teve praticamente o mesmo tempo de produção. Já com o projeto "Sobre Rodas" eu desenvolvo as matrizes há 14 anos, e este tempo de relação com o trabalho é fundamental para o aprendizado, por isto, alguns trabalhos precisam ficar fora do mercado da arte pois não devem ser vendidos antes de serem finalizados, pois o conjunto determina o trabalho como um todo.
P - Como as esculturas são desenvolvidas?
R - São varias as etapas, e todas demoradas pois a cerâmica exige um tempo diferente. Primeiramente o projeto e a pesquisa, escrever sobre o trabalho e desenhar ele. Gosto de ter um projeto antes de executar a obra, pois eu lanço meus desafios antes de começar a fazer, e enquanto faço, vou aprendendo e respondendo parte das perguntas que eu me faço ou eu me fiz. Depois tem a pesquisa de campo, onde eu procuro os modelos que me interessam e vou construindo o painel com as marcas de tênis, modelos, etc. Já com os tênis, faço um molde de gesso deles e começo a reproduzir com argila em massa as esculturas seguindo pelo acabamento e a secagem das esculturas. Depois da secagem, há a queima a aproximadamente 1000˚, que seria a transformação da argila em "pedra de cerâmica". Depois novamente o acabamento, a pintura e a costura com o cadarço em cada pé seguida da foto individual. Para finalizar, acrescento um papel amassado dentro de cada tênis, relembrando o suporte de minhas gravuras. Todas as etapas possuem uma tabela com números de referência para eu ter um entendimento geral da produção e poder ao mesmo tempo projetar a hora/homem que eu gasto com ele em meus gráficos. É como uma fábrica, tem uma linha de produção e uma avaliação em cada etapa de construção da escultura.
P - Por que a escolha da cerâmica?
R - Escolhi a cerâmica porque antes dela ser cerâmica ela é argila, e este material está em minhas mãos desde criança. Me identifico muito com este material e gosto de usar ele de inúmeras maneiras. A argila um material simples, guarda todas as formas, impressões e segredos do que acontece em meu ateliêr, e um dia esta de uma maneira/forma, e no outro dia em outra, pois são sempre recicladas e reutilizadas. Hoje uso muito a cerâmica e a argila porque é o material que mais me ensina e me desafia como artista pesquisador e trabalhador.