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re.van.che, por Marcio Harum - 2009

A cada visita ao studio de Laerte Ramos é quase certo o engano com o que se avista: é ou não é cerâmica? Suas esculturas em meio aos móveis inusuais e outros objetos de uso doméstico exercem ao toque do olhar o poder da dúvida. Em sua exposição individual de natureza instalativa “re.van.che” (1), apresentada na Temporada de Projetos 2009 do Paço das Artes, o tom de confirmação de mais de 13 anos de suas pesquisas com a argila se deu tal qual na noite de inauguração em 24 de abril de 2009: de um só golpe a maior peça da série foi destruída numa ação performática colaborativa de apenas 2 segundos. A série em questão reproduzida a partir de tacelos em escala real recebeu uma delicada aplicação de pintura vermelha a frio, o que lhe atribuiu em seu acabamento um determinado aspecto encerado do couro. A descrição do conjunto de acessórios de lutador moldados em cerâmica (luvas de boxe, raquete para treino de chutes e socos, protetor bucal, de pé e de cabeça, pêra para treino de socos, banquinho de corner e saco de areia para chutes e socos) não circunscreve em absoluto a percepção da obra. A característica exiguidade da sala quadrada e rebaixada em meio ao espaço expositivo por dois degraus onde esteve exposta “revan.che” no Paço das Artes, serviu de verdadeiro ringue para o público que se manteve ao redor da sala, debruçado sobre suas meias paredes. Na expectativa repentina se fez ouvir o grito decisivo de surpresa que precede a pezada rápida na orelha do adversário de luta. E exatamente assim foi feito: “K-I-A-I!”. Num pontapé a lutadora Marry (2) espatifou em milhares de cacos enquanto performava para Laerte o saco de areia exibido ali. A parceria artista-lutador foi firmada vis-à-vis assim mesmo, diante da adversária cerâmica e sob o testemunho do público. Suas andanças pela cidade atrás de gesso pesado e a necessidade de recorrer a fornos longínquos exigiram dele talvez um certo desencanto técnico (3), para que Laerte pudesse aprender a desrespeitar saudavelmente a sua massa de trabalho em troca da liberdade de experimentação. De antemão em seu studio, foi esse estado de espírito que o permitiu ocupar-se de um prévio estudo de viabilidade como planejamento e controle da direção dos fragmentos que seriam arremessados em meio a futura configuração expositiva. Seu antecedente desempenho no campo experimental lidou com essa perspectiva da realidade como se fora um verdadeiro treino físico preparatório- daqueles encarados antes de um derradeiro combate. “re.van.che” esteve desde o início além do resultado da ação. O trabalho de Laerte é pontuado por flertes instantâneos com os elementos que dão forma a procedimentos criativos voltados a arquitetura, design gráfico e de objeto, moda, desenho (animado), filmes de aventura e seriados de TV, esporte e luta de contato (4). Antes que o ano termine, a convite do Instituto Goethe de São Paulo em novembro, sob o marco histórico e comemorativo dos 20 anos da queda do Muro de Berlim, o artista inaugura “Almanaque#3”, obra que reconstroe toda a extensão do muro em maquete, utilizando-se feito um Mac Gyver de técnicas improvisadas ao recortar e colar ilustrações sobre papel. Através de sua prática artística, a “re.van.che” de Laerte Ramos põe em xeque a pronta idéia de que o que sai do forno está a longa distância de alcance da fidelidade por excelência. A partir de outubro é inaugurada uma série totalmente nova de “re.van.che” no MAC Curitiba, desta vez em preto. O trabalho de Laerte como artista não trata do aprimoramento da técnica de reprodução mas sim, nos mostra o que a cerâmica lhe ensina.

 

(1) Entrevista com o artista sobre a sua produção e texto publicado sobre a obra em:

http://www.pacodasartes.org.br/Paco_das_Artes/Laerte_Ramos_-_entrevista.

html http://www.pacodasartes.org.br/Paco_das_Artes/Laerte_Ramos_-_txt_folder.html

(2) A atleta de Taekwon-Do Marryanne Hörmann foi convidada pelo artista a realizar a ação na noite de abertura da exposição.

(3) Aspecto posto por Perniola ao teorizar sobre o papel “heróico-irônico” da arte e da filosofia. Mario Perniola, A Arte e a Sua Sombra, Cap.5, Colecção: Arte e Produção, Tradução: Armando Silva Carvalho, Assírio & Alvim Editores, Lisboa 2006.

(4) Análise de economia sobre a computadorização na produção do objeto manipulado como ‘data’, ou seja: desenhado e redesenhado, consumido e reconsumido. Hal Foster, Design and crime:  and other diatribes, Verso Books, Londres 2002. 

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