O mundo da arte contemporânea está - felizmente - cada vez mais aberto à convivência das diversidades. A dupla inauguração que será realizada 5a. feira (14/10) à noite na Casa Triângulo parece confirmar essa inexistência de uma tendência dominante, ao reunir lado a lado duas pesquisas bastante distintas como as de Hildebrando de Castro e Laerte Ramos.Mas ambos, à sua maneira, realizam um interessante movimento de resgate de técnicas e reflexões que fazem parte da história da arte a partir de um olhar absolutamente contemporâneo. Examinemos a série de paisagens que Hildebrando expõe no térreo da galeria. São cachoeiras que o artista carioca - recentemente instalado em São Paulo - retirou diretamente de cartões-postais encontrados na feira da Praça 15. O primeiro retoma a tradição da pintura, resgata um tipo de ação artística que caiu em desuso por longo tempo e que recentemente parece estar despertando novamente o interesse dos artistas. O segundo exibe suas primeiras incursões no campo da escultura, abrindo uma possibilidade de diálogo entre os irônicos e sutis comentários sobre a sociedade contemporânea que realiza em uma série de gravuras/ícones que inventa e coleciona. O uso do preto-e-branco reforça ainda mais o caráter de releitura de imagens de época, ajudam a deixar claro que não se trata de imagens inventadas ou resgatadas pelo pintor. Ele apenas reelabora aquilo que já está dado: a paisagem brasileira, a tradição da pintura (técnica que teve de aprender sozinho e que revela em alguns momentos sua precariedade, sem pretender nenhum tipo de perfeição), o fascínio pela matéria, movimento e luz da pintura a óleo. No caso de Ramos, as camadas que se sobrepõem no processo criativo são ainda mais numerosas. Há, evidentemente, referências ao material e à técnica da escultura. Impossível não olhar para as estranhas esculturas que ele criou em cerâmica sem lembrar do clássico urinol, de Duchamp. A forte dose de ironia nesses objetos curiosos, que levam às associações as mais diferentes, também tem algo de surreal, de provocantemente inconsciente. Ao artista interessa essa atuação na fronteira entre a figuração e a abstração. "As obras são fruto de memórias antigas, de um pensamento meio lúdico", diz ele. Mesmo considerando esses pequenos objetos de cerâmica como "máquinas de invasão", lhe agrada quando as pessoas vêem nelas porquinhos ou coisas delicadas do gênero. O caráter mais realista da obra, que também se alimenta da tensão urbana e geopolítica, fica evidente em dois outros trabalhos: a escultura de jardim e uma série de miniaturas. Ambas são figuras híbridas, com pernas humanas e corpo representado na forma de casa. No caso da obra grande, também em louça, as pernas são uma espécie de "auto-retrato" do artista.Nas miniaturas, elas foram fundidas a partir de moldes de soldadinhos e são todas feitas de chumbo. Essa associação, que substitui por uma imagem de casa o núcleo central do indivíduo, cria uma fragilidade comovente e um comentário poético sobre o desejo de retorno e proteção.